Nesta segunda-feira (10), foi aberta a programação da 30ª Conferência das Partes (COP30) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), em Belém. Realizada pela primeira vez na Amazônia – bioma com a maior biodiversidade do planeta e um regulador do clima global -, a COP30 tem o enorme desafio de recolocar o tema das mudanças climáticas no centro das prioridades internacionais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi uma das autoridades a discursar na abertura do evento e, como líder do país anfitrião, defendeu que a a mudança do clima já não é uma ameaça do futuro, mas “uma tragédia do presente” e cobrou uma ação coordenada dos países. Confira a íntegra do discurso:

Há mais de 30 anos, na Cúpula da Terra, os líderes do mundo se reuniram no Rio de Janeiro para debater o desenvolvimento e a proteção do meio ambiente.
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Naquele momento, o multilateralismo vivia seu ápice.
O mundo adentrava a chamada década das conferências, da qual emergiram as grandes bússolas que guiaram a humanidade ao longo dessas três décadas.
Entre elas estão o conceito de desenvolvimento sustentável e o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, legados vivos da Rio 92.
Hoje, a Convenção do Clima retorna à sua terra natal.
Ela faz o caminho de volta para recuperar o entusiasmo e o engajamento que embalaram seu nascimento.
Pelas próximas duas semanas, Belém será a capital do mundo.
Negociadores, governadores, prefeitos, parlamentares, cientistas e organizações da sociedade civil farão parte desse grande esforço coletivo em prol do planeta.
Trazer a COP para o coração da Amazônia foi uma tarefa árdua, mas necessária.
A Amazônia não é uma entidade abstrata.
Quem só vê a floresta de cima desconhece o que se passa à sua sombra.
O bioma mais diverso da Terra é a casa de quase cinquenta milhões de pessoas, incluindo quatrocentos povos indígenas, dispersa por nove países em desenvolvimento que ainda enfrentam imensos desafios sociais e econômicos.
Desafios que o Brasil luta para superar com a mesma determinação com que contornou as adversidades logísticas inerentes à organização de uma conferência deste porte.
Quando vocês deixarem Belém, o povo da cidade permanecerá com os investimentos em infraestrutura que foram feitos para recebê-los.
E o mundo poderá, enfim, dizer que conhece a realidade da Amazônia.
Nos dias que antecederam esta Conferência, chefes de Estado e de Governo, ministros de Estado, representantes de organizações internacionais e da sociedade civil se reuniram na Cúpula de Belém pelo Clima.
Lançamos o Fundo de Florestas Tropicais para Sempre, um mecanismo inovador que angariou, num só dia, 5,5 bilhões de dólares em anúncios de investimento.
Adotamos compromissos coletivos sobre:
» O manejo integrado do fogo
» O direito à posse da terra por povos indígenas e tradicionais
» A quadruplicação da produção de combustíveis sustentáveis
» A criação de uma coalizão sobre mercados de carbono
» O alinhamento da ação climática ao combate à fome e à pobreza
» E a luta contra o racismo ambiental.
A Cúpula de Belém foi o ponto de chegada de um caminho que o Brasil convidou a comunidade internacional a percorrer ao longo de suas presidências do G20 e do BRICS.
A síntese dos elementos que recolhemos nessa trajetória está contida no Chamado à Ação que lançamos após a Cúpula a título de contribuição aos debates na COP e além dela.
A mudança do clima já não é uma ameaça do futuro.
É uma tragédia do presente.
O furacão Melissa que fustigou o Caribe e o tornado que atingiu o Estado do Paraná, no Sul do Brasil, deixaram vítimas fatais e um rastro de destruição.
Das secas e incêndios na África e na Europa às enchentes na América do Sul e no Sudeste Asiático, o aumento da temperatura global espalha dor e sofrimento, especialmente entre as populações mais vulneráveis.
A COP30 será a COP da verdade.
Na era da desinformação, os obscurantistas rejeitam não só as evidências da ciência, mas também os progressos do multilateralismo.
Eles controlam algoritmos, semeiam o ódio e espalham o medo.
Atacam as instituições, a ciência e as universidades.
É momento de impor uma nova derrota aos negacionistas.
Sem o Acordo de Paris, o mundo estaria fadado a um aquecimento catastrófico de quase cinco graus até o fim do século.
Estamos andando na direção certa, mas na velocidade errada.
No ritmo atual, ainda avançamos rumo a um aumento superior a um grau e meio na temperatura global.
Romper essa barreira é um risco que não podemos correr.
Queridos amigos e queridas amigas,
Nosso Chamado à Ação está dividido em três partes.
Na primeira parte, faço um apelo para que os países cumpram seus compromissos.
Isso significa:
» Formular e implementar as Contribuições Nacionalmente Determinadas ambiciosas
» Assegurar financiamento, transferência de tecnologia e capacitação aos países em desenvolvimento
» E dar a devida atenção à adaptação aos efeitos da mudança do clima
Na segunda parte, conclamo os líderes mundiais a acelerar a ação climática.
Precisamos de mapas do caminho para que a humanidade, de forma justa e planejada, supere a dependência dos combustíveis fósseis, pare e reverta o desmatamento e mobilize recursos para esses fins.
Avançar requer uma governança global mais robusta, capaz de assegurar que palavras se traduzam em ações.
A proposta de criação de um Conselho do Clima, vinculado à Assembleia Geral da ONU, é uma forma de dar a esse desafio a estatura política que ele merece.
Na terceira parte, convoco a comunidade internacional a colocar as pessoas no centro da agenda climática.
O aquecimento global pode empurrar milhões de pessoas para a fome e a pobreza, fazendo retroceder décadas de avanços.
O impacto desproporcional da mudança do clima sobre mulheres, afrodescendentes, migrantes e grupos vulneráveis deve ser levado em conta nas políticas de adaptação.
É fundamental reconhecer o papel dos territórios indígenas e de comunidades tradicionais nos esforços de mitigação.
No Brasil, mais de 13% do território são áreas demarcadas para os povos indígenas. Talvez ainda seja pouco.
Uma transição justa precisa contribuir para reduzir as assimetrias entre o Norte e o Sul Global, forjadas sobre séculos de emissões.
A emergência climática é uma crise de desigualdade.
Ela expõe e exacerba o que já é inaceitável.
Ela aprofunda a lógica perversa que define quem é digno de viver e quem deve morrer.
Mudar pela escolha nos dá a chance de um futuro que não é ditado pela tragédia.
O desalento não pode extinguir as esperanças da juventude.
Devemos a nossos filhos e netos a oportunidade de viver em uma Terra onde seja possível sonhar.
O xamã ianomâmi Davi Kopenawa diz que o pensamento na cidade é obscuro e esfumaçado, obstruído pelo ronco dos carros e pelo ruído das máquinas.
Espero que a serenidade da floresta inspire em todos nós a clareza de pensamento necessária para ver o que precisa ser feito.
Uma boa COP30.
Muito obrigado.


